Ontem fui a um centro comercial, o que é um acontecimento muito raro na minha vida. Fui, não por necessidade mas com o intuito de gastar uma hora enquanto esperava que duas impressões fossem...impressas. Pensei que talvez, e devido ao facto de estar mais abonado que o normal, fosse uma boa altura para comprar algumas coisas que preciso como um par de ténis ou lâminas de barbear.
Acabei por não entrar em loja alguma, à excepção, de três livrarias onde também não comprei porra nenhuma. Não porque não costume torrar pasta em livros mas porque não achei nenhum realmente bom que me fizesse desembolsar pelo menos 40€ ( bons livros de arte são caros). A única coisa que comprei no tal shopping acabou por ser, uma vez que estava esganado de fome, um bem de primeira necessidade: uma baguette merdosa e mal cozida de pasta de atum que nem consegui acabar. Enquanto degustava a minha iguaria, empurrada por uma Coca-Cola de pressão (surpreendentemente com gás) deliciei-me com a passarelle de figuras que iam passando à minha frente: o segurança que passou três vezes com aquela ginga que só os membros de tal profissão conseguem pôr em prática. Será que lhes ensinam aqueles passos arrastados mas ao mesmo tempo confiantes e autoritários em alguma formação profissional; uma espécie de dojo de seguranças? É que os gajos andam todos da mesma maneira, se não fazem deviam fazer campeonatos daquela hipnotizante palhaçada. Vi também dois basofes de nível requintado, vestidos a la Cristiano Ronaldo. “ Foda-se, oh maior onde é que compraste esse cap de lantejoulas? É que eu quero um para mim, não para o pôr na cabeça mas para ter em casa só para me lembrar que há marmanjos como tu que usam essa merda. Ah! E essas calcinhas afuniladas e justinhas também te ficam a matar, granda pausa mano!” Do outro lado da passerelle estava o Macdonald´s, e agora um pequeno à parte: estou um bocado chateado com ele, porque das últimas vezes que lá fui a coisa não correu assim muito bem, vá-se lá saber porquê. Tenho tantas saudades do In & Out, aquilo sim eram hamburguers. Dentro dos famigerados arcos dourados havia pelo menos uma dúzia de adolescentes a lambuzarem-se com aquela comida de plástico. Para piorar ainda mais o cenário dantesco alguns deles mastigavam como muita gente mastiga pastilhas elásticas, de boca bem aberta. Vão todos ficar tão gordinhos daqui a uns anos. Observei ainda mais alguns esteriótipos da nossa espécie: o casalinho de namorados enamorado, o puto maluco do Pedro Nunes de capacete na mão que anda por aí a rasgar de DT-LC (classics never die), a mãe nas compras com o filhote, que já não é assim tão filhote como isso mas antes um matacão com um ar de quem já tem filhos na tropa, a pseudo executiva que se acha um canhão mas tem uma bilha daqui ao Barreiro, onde vivem as duas. A executiva e a bilha.
É mais que òbvio que depois de tanto cortar na casaca o feitiço se virou contra o feiticeiro. Quando descia as escadas rolantes cruzei-me com um antigo arqui-rival dos tempo de liceu. Não trocámos palavras, apenas um leve aceno de cabeça do tipo “Tá-se bem, nunca fomos muito à bola um com o outro mas até somos uns gajos educados”. Obviamente, também tive que tirar a pinta aquela figura: fatinho e gravatinha de boa marca e telemóvel topo de gama, daqueles que até barómetro têm e que provavelmente vai actualizando o índice Dow Jones a cada segundo que passa, ou nos tempos que correm, a cada segundo que crasha. Deve estar bem na vida de certeza, com, não pelo menos, mas pelo mais uns dez quilos em cima e tão ou mais branco como a cal da parede. Uma coisa é certa o gajo também me tirou a pinta de certeza. Ora então vamos lá, analisar este cromo, afinal é essa a razão deste texto, não estou para aqui a destruir o mundinho dos outros só por maldade. “Olha aquele marmanjo que andava no Rainha, bem precisa de um corte de cabelo e com aquele bronze ou anda a arrumar carros ou passa vida na praia. E sempre de headphones, será que ainda anda de walkman? Não me parece que tenha dinheiro para comprar um Ipod, com alguma sorte tem um discman. Olha para aquilo, t-shirt e jeans, há realmente tipos que não crescem.” Para minha grande sorte vinha de barba feita e por nos termos cruzado nas escadas rolantes também não conseguiu vislumbrar as minhas botas All Star pretas, todas rotas e nos últimos suspiros de uma vida de folia, que foram compradas no Ebay a um gajo qualquer na Tailândia por vinte dólares mais portes. Por acaso já vou no terceiro Ipod e se quisesse podia comprar mais uma catrefada deles, mas não gosto de gastar dinheiro em coisas que realmente não preciso. Quilos a mais também nem vê-los, vou-me mantendo nos sessenta e seis, mais quilo menos quilo o mesmo peso que tinha quando me baldava às aulas de Português da stôra Otília, essa cabra de primeira apanha. Não arrumo carros, à excepção do meu, mas sim, vou muito à praia. O que tem piada é que a única que realmente tive vontade de comprar naquele shopping está relacionado com esse meu velho hábito de vagabundear pelas praias e foi a primeira que coisa que vi quando entrei naquela montanha russa de lojas. Na televisão de uma loja em que não entrei mas que vendia ténis, vi uma onda perfeita algures na Indonésia.
Saí daquela gruta de consumismo com a certeza que não mudei muito desde os meus tempos de liceu (não sei se é bom ou mau) mas que estou contente com a minha vida e como a vivo, que não há dinheiro no mundo que pague a liberdade que é podermos passar uma hora de uma tarde de um dia de semana a observar seres igualmente estranhos num centro comercial, pegar no carro e ir passar dois dias na campo e na praia ou estar o dia todo em casa a rabiscar com uma caneta e a colar fósforos num papel. Mas, e isso é muito importante, também trabalho que nem um filho da puta quando tem que ser. Quando finalmente escapei daquele buraco vinha ligeiramente mais iluminado, agradecido por ter a vida que tenho e convicto que o meu dinheirinho só o vou gastar em coisas estritamente necessárias como ir perder-me durante uns meses no Sudeste Asiático no ano que vem ou ir desmontar um sashimi de salmão no próximo fim de semana. Segundo reza a lenda, a vida são dois dias por isso o melhor é eu despachar-me. Já gastei uma tarde num shopping center.
p.s. Peço desculpa e agradeço aos lesados neste texto, arqui-rival incluído. Não tenho nada contra vocês, antes pelo contrário. Eu queria mesmo era falar sobre mim.
2 comments:
sabe-se la porque hoje estive com o amigo ginja a bater bolas como ha muito não fazia (mais de 10 anos). ha ums tempos atras cruzei-me contigo e fiquei com este endereço da net e por aqui passo para ver o teu trabalho de vez em quando. curti o texto a brava, curti encontrar-te a porta de tua casa no outro dia tambem, curti bater bolas com o nosso camarada que é um granda bacano, e curti perceber depois de ter andado a deriva que existem coisas que nos unem ums aos outros que so mais tarde viremos a perceber porque. tb já perdi muitas tardes no centro comercial, não deixo de me perguntar se os gajos de gravata são mais felizes do que eu quando tenho crises de self-esteem (assunto debatido avidamente na casa do rio ha hora de almoço hoje),e no dia em que me desprendi dos supostamentes todos (ainda existem ecos manhosos nesta mente mentirosa)percebi que andei longe de mim a pala do que os outros queriam para mim; aprendi mais a tirar cafés durante ums meses num restaurante, com esses "amigos" de liceu a perguntarem-me se eu era o dono do restaurante e eu a responder que apenas trabalhava lá, do que a tirar um curso numa universidade xpto qualquer cujo nome prenche umas linhas dum curriculo que ja não mostro a ninguem... e ficava horas aqui a divagar contigo: porque as vezes tambem preciso de falar de mim.
grande abraço
parabems pelo teu trabalho
miguel faria
Brutal! Descrição fiel da Fauna dos Centros Comerciais!
Mil vezes uma onda na Indonésia (eu quero tanto ir a Baliiiiii!!) que um telemóvel xpto!
Parabéns tb pelo trabalho. Gosto. E gosto mto da tua mesa e do pano por trás dela!
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