Eu hoje não falei. Não
projectei som algum. Pensei, pensei, pensei. Lembrei-me de um vestido amarelo que tinhas,
de olás dados em varandas, do que escrevias, de quando nos ríamos, das
choradeiras, das nossas músicas, dos nossos filmes, da facilidade com que nos
pegávamos, daqueles desenhos todos que me levaste a fazer e que a última vez
que te vi eras pirata. Lembrei-me de quando nos cruzávamos todos os dias há
hora do almoço, da quantidade de vezes que tudo podia ter mudado, das tantas
oportunidades que tive, que tivemos, para tentar perceber o que realmente é
isto. Pelo menos para falarmos. Ou estarmos apenas em silêncio. Quando o podia
ter feito tive um comportamento inqualificável. Imperdoável. Peguei fogo a tudo
e virei as costas. Fiz-te mal. Mal que não merecias. Ninguém, principalmente
uma mulher, merece ser tratada assim. E ainda fui mais cabrão na noite desse
mesmo dia. Passam os anos e eu continuo sem me conseguir perdoar. Continuamos
aqui, teimosamente, à espera que a sorte nos cruze outra vez, à espera da
redenção. Ou então à espera que encontremos alguém que faça mudar tudo, que nos
faça esquecer de quem somos. Essa pessoa que teima em não aparecer, que eu acho
que não existe.
Há coisas que o tempo, por mais que este insista
não consegue apagar. Pelo menos o meu (tempo) não consegue. Estou cansado de
olhar para ti através de janelas. Insistimos em fazê-lo porque é só isso que
temos e que conhecemos. Porque é um bocadinho do que podia ser muito. Porque às
vezes é bom. Mas que é tão pouco, tão insuficiente. Merecemos mais. Merecemos muito
melhor.
Tenho medo, porque nada muda
aqui dentro. Está sempre aqui, todos os dias. Há tantos anos. Estou cansado e vou
perdendo a força, a esperança enquanto vivo com o teu fantasma. Com esta minha
doença. Quero mudar isto, quero viver, quero olhar olhos nos olhos. Quero
falar, chorar, rir, dar cambalhotas . Quero ser feliz. Quero conhecer-te. Saber
se és. Se eu sou. Vamos mudar o que tem
que ser mudado porque senão morremos sem sairmos desta caixa. Eu
começo assim e hoje não falei.
boa noite
No comments:
Post a Comment