Nunca fui grande fã de idas à praia ao fim de semana, muito menos ao domingo. Quando era mais novo, sempre que estava de férias encarava as idas à praia nesses dias com muita relutância. Não tenho, nem nunca tive grande pachorra para enchentes, multidões e/ crowd na água. Quando estudava e trabalhava de segunda à sexta, lá tinha que me juntar à romaria carnavalesca sempre que cada sábado chegava. Lá ia eu, rumo a um qualquer areal perto de mim, onde estivesse o menor número de gente possível. Hoje em dia, o facto de conseguir encaixar idas à praia durante a semana e até mesmo uma ou outra escapadela rumo ao Sul durante os chamados dias úteis, permite-me tirar o pensamento de dentro de água durante os fins-de-semana. No entanto, por vezes, sinto uma certa nostalgia e lá me junto ao cortejo de domingueiros. Hoje, neste domingo em vésperas de Carnaval foi exactamente isso que se passou: juntei-me ao circo e fui até à praia.
O dia estava excelente, as condições de mar e vento bastante favoráveis e a maré-cheia ás duas da tarde foram os motivos que me convenceram a gladiar o batalhão de vagarosos condutores que insistem em circular pela faixa da esquerda, e não sabem que usar os retrovisores e os piscas é tão importante como olhar para a estrada. São estes fanáticos que se apoderam das estradas, vias rápidas e auto-estradas da nossa santa terrinha durante o proclamado dia do Senhor que, por vezes, esgotam a minha infinita paciência e a de qualquer ser com mais de 1/4 de palmo de testa. Apanhei um amigo em sua casa por volta da uma, depois de ter atravessado uma Lisboa praticamente vazia de carros e rumámos em direcção a um aborto urbanístico, chamado Fonte da Telha. O facto de eu e o meu compincha já andarmos nestas lides há muito tempo, permite-nos antecipar os movimentos das alforrecas domingueiras e traçar um plano de ataque. O de hoje foi: uma vez que o domingueiro de pedigree mais apurado só sai de casa depois de encher bem a pança e de bem regar os seus cornos de vinho, se chegássemos por volta da hora do almoço podíamos fazer a maré e arrancar para casa na hora em que o rebanho começasse a chegar em massa para pastar. Por volta da uma e meia chegámos ao nosso destino, depois de uma viagem sem sobressaltos de maior e sem apanhar carros ligeiros a circular à velocidade de tractores. Para quem nunca foi à Fonte (o carinhoso petit nom que usamos quando nos referimos ao acima referido aborto) imaginem uma arriba onde está plantada um misto de favela sul-americana, com bairro de pescadores mais uma catrefada de restaurantes que nunca devem ter ouvido falado da ASAE, muito menos de condições de higiene e aos quais ultimamente se juntaram nos últimos anos uma mão cheia de bares de praia onde se juntam todos os tipos pingarelhos e chelitos da margem sul. O mundialmente conhecido Tarzan Taborda (1935/2005), o wrestler português mais famoso de todos os tempos não deve ter escolhido aquele lugar para montar o seu ginásio e centro de treinos por mero acaso. Naquele enclave, todo ele ilegal, os cães são reis e senhores da esburacada estrada de areia e circulam livremente, sem coleira e ladram que nem uns filhos da puta quando a caravana passa, e não têm qualquer problema em arreganhar o dente a quem ouse passar mais rente ao seu território. Os barracos crescem indiscriminadamente arriba acima que nem cogumelos. Aquela merda é tão feia que ao fim de um tempo começamos a achar aquilo tudo muito querido e pitoresco, com um amoroso toque kistch. A única coisa que salva aquele lugar, e a única razão pela qual eu lá vou é o seu areal de perder de vista e as ondas que por lá rebentam. Há quase uns dez anos, também num domingo passado a surfar na Fonte, depois de sair da água enquanto tirava o meu fato, passou um casal de domingueiros famosos num carro: nem mais nem menos que o ex. Presidente da República Mário Soares acompanhado da sua ilustre esposa Maria Barroso. Até aqui nada de mais, é normal vermos figuras públicas na via pública, o que não é normal é elas verem marmanjos com idade para terem juízo de t-shirt a cobrir o tronco e como vieram ao mundo da cintura para baixo. Aquele momento teve tanto de hilariante como de embaraçoso mas, hoje em dia, quando me lembro só me consigo rir. Espero é que o Marocas e sua saudosa Maria não se tenham ofendido com o meu promíscuo exibicionismo. Hoje, assim que estacionei o carro, apressadamente comecei a olhar para o mar para tentar descortinar um sítio onde pudesse estar sossegado e na minha, longe do pico onde vinte gajos lutavam pelas ondas. Em menos de dois minutos vislumbrei umas esquerdas perto da areia, com força e sem ninguém por perto. Cinco minutos depois de ter parado o carro estava a entrar na água. Duas ondas depois deixei de estar sozinho e quinze minutos depois éramos quase dez: lá se foi o sossego. É normal coisas destas acontecerem: um gajo entrar num sítio e passados poucos minutos ter a companhia indesejada de uma data de amiguinhos que precisam que os outros lhes mostrem onde estão as ondas. Apesar disso não me posso queixar, apanhei o meu quinhão de ondas e sai satisfeito da água quando a maré vazou demais para o pico onde estava e a uma leve nortada se instalou. Desta vez usei toalha para tirar o fato, e depois de vermos que o número de carros estacionados aumentara substancialmente decidimos arrumar as coisinhas e fazermo-nos à estrada. A risota começou quando começámos a subir a única estrada que dá acesso à Fonte da Telha: no nosso sentido não havia trânsito de maior enquanto no outro estava tudo parado desde o alto da arriba até lá abaixo. Deixei de rir assim que apanhei pela frente um anormal a guiar um Fiesta branco que, não sei bem porquê, quase não passou dos 50 numa zona em que podia ir a 90. Talvez o rafeiro de rabo alçado que fazia companhia à besta e lhe babava a chapeleira da mala enjoa se ele circular mais depressa. Fora isso, a viagem de regresso foi rápida, não chamei nomes à mãe de ninguém nem fiz manguitos ao pai de nenhum puto. Não havia trânsito nenhum no garrafão e passadas três horas estava de volta à casa da partida.
Enquanto os meus semelhantes de hoje, os domingueiros, enchiam os acessos de Lisboa no seu regresso a casa eu andei a dar saltos na corda-bamba, tomei banho, fiz a barba, deitei-me na minha rede e alimentei-me. Agora que são quase dez da noite, estou por casa há já umas boas horas e estou quase a acabar mais um texto em que só digo mal. Tenho uns chinelos nos pés que têm tanto de foleiros como de confortáveis e estou calmamente à espera que comece a noite em que são premiados os melhores filmes do ano que passou. Este foi o filme do meu dia. A minha longa-metragem continua já a seguir.
2 comments:
Grande texto, miudo, a do rabo ao léu para o Marocas é linda, presmo que o compincha da aventura seja o "nosso" eterno Chibo ! Bjns Mommy
Fonta da Telha no seu melhor. Congrats!
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